03 outubro 2011

Famintos Não Apenas de Pão - Parte 2


Há alguns anos atrás, ia com minha antiga congregação uma vez por ano ao Centro do Rio de Janeiro levar comida e a Palavra de Deus para os moradores de rua que vivem ali. Contudo, já faz mais de um ano que tenho ido mensalmente com a Igreja Batista Nova Filadélfia em Vila Metral e, a cada mês, volto perplexo para casa. Motivo: Cada vez, volto com uma grande satisfação por ter feito algo, porém com a sensação de impotência diante de tanta miséria, prisão, mentira, opressão, dor, comodismo etc.
O dia mais impactante não foi aquele. Um dia, enquanto abordamos outro grupo de crianças deitadas em outra rua lá do Centro, um dos meninos nos deu atenção. Um irmão percebeu que tinha garrafas do lado de cada um e entendeu que eles estavam ali para cheirar cola. O fato foi que, ao uma irmã oferecer roupas, entregou na mão desse menino uma calça jeans e, imediatamente ele abraçou a calça e disse: “Escola!” O irmão perguntou se ele estava com saudades da escola e ele confirmou com a cabeça. Como aquilo me partiu... Sai imediatamente dali e fui para um canto chorar...

Ver uma mãe com o filho doente que foram despejados, sem ter para onde ir ou nem para onde levar seus móveis, com o risco de perdê-los, é doloroso.
Outra vez, um homem muito me agradeceu por orar por suas costas que doem terrivelmente e quando abaixa não consegue se levantar. Disse que só a bebida faz aliviar sua dor e o hospital público deu meses para ele voltar e fazer exames e, quem sabe um dia, fazer uma operação, com risco. Segundo ele, saiu do Exército por causa da bebida e tem um filho que também é do Exército e teme que ele fique como o pai, pois também gosta de beber.
Lembro-me dos dois Maicons perto do Edifício Central, um que tinha acabado de sair da prisão, mas trabalha na rua por não conseguir emprego melhor (este foi assaltado na segunda vez que o encontrei, no mês seguinte e estava revoltado querendo encontrar o outro morador de rua e “se vingar”... Deus me fez encontrar com ele novamente...), e o outro Maicon é um adolescente bem novo que tinha acabado de fugir de Santa Cruz, sem ter nos relatado maiores detalhes... mas desconfiamos o porquê...
Uma vez abordei um mendigo que estava passando mal, pediu duas quentinhas e um bolo, porém não aguentava ir até o hospital. Senti-me um inútil diante daquela situação. Ele havia vomitado parte da calçada onde estava...
Loucos, endemoninhados, doentes, carentes, porém nem todos vagabundos. Muitos catam latinha, papelão ou vendem algo para juntar algum dinheiro.
Certa vez presenciamos seguranças públicos levando à força alguns moradores de rua para abrigos. Eles não gostam de ir para lá porque, segundo eles, esses abrigos são desestruturados, o Governo junta muitas pessoas dentro de um espaço pequeno, muitos doentes com tuberculose etc. e abandonam todos lá. Fora alguns que relataram terem sido abandonados em municípios distantes no meio do mato quando esses abrigos já estão hiperlotados.

Há muito que fazer ali...

Enquanto os políticos estão preocupados em construir a “Cidade do Rock”, embelezar o Rio para os “Jogos Mundiais”, gastar fortunas com a (re)reforma do Maracanã e, claro, roubar o dinheiro público, centenas de pessoas perecem miseravelmente pelas ruas. Enquanto a população gasta seu salário mínimo com roupas de marca, celular da moda ou excesso de produtos de beleza desnecessários, pessoas do nosso lado passam fome. Enquanto os que se julgam filhos de Deus contam testemunhos de que possuem 03, 05, 10 carros na garagem, há os que não podem nem dormir na rua, porque senão um mendigo vem e rouba o que o outro conseguiu ganhar.

No começo do ministério de Isaías, quando o povo de Israel ainda não tinha caído na idolatria e ainda não estavam cometendo os erros em que caíram depois, Deus já não estava mais agüentando o culto deles. Por quê? A palavra diz:
“As vossas Festas da Lua Nova e as vossas solenidades, a minha alma as aborrece; já me são pesadas; estou cansado de as sofrer. Pelo que, quando estendeis as mãos, escondo de vós os olhos; sim, quando multiplicais as vossas orações, não as ouço, porque as vossas mãos estão cheias de sangue. Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos; cessai de fazer o mal. Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça, repreendei ao opressor; defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das viúvas... Os teus príncipes são rebeldes e companheiros de ladrões; cada um deles ama o suborno e corre atrás de recompensas. Não defendem o direito do órfão, e não chega perante eles a causa das viúvas.” Isaías 1:14-17, 23
Religiosidade teórica e vazia, líderes corruptos e desprezo aos necessitados. Há alguma diferença desse relato para a maioria da situação que vivemos hoje? As mãos de milhares de brasileiros estão sujas de sangue pelo simples motivo de pessoas morrerem a nossa volta e nada fazemos para impedir isso.

Muitos que vivem na miséria realmente são culpados de estarem nessa situação, pois encontramos aqueles que têm família e casa para morar, porém se desentenderam com pais, esposas ou irmãos e estão na rua porque não querem se humilhar e pedir perdão. Preferem viver na soberba e apodrecerem com milhares de riscos que sofrem por não terem um teto (por exemplo, encontramos um esposo de espírita que gostava de ter a liberdade da rua para beber, não viver nas mesmas práticas de sua esposa e ser submisso a ela). Porém encontramos muitos que perderam sua casa numa catástrofe como a de enchentes e chuvas devastadoras (algumas vezes já encontrei famílias inteiras nesta situação), outros que vieram de outros estados e não conseguiram emprego (uma vez encontrei um que veio para o Rio trabalhar, mas, chegando aqui, foi assaltado, perdeu os documentos e não sabia o que fazer), outros que foram abandonados pelos pais desde cedo, outros que foram despejados por não terem mais como pagar aluguel e vários outros casos.
Nosso papel como Igreja é alcançar todos estes com o Evangelho e ajuda material, seja alimento, roupa ou calçado. Aos que estão na rua porque querem estar, nossa missão é abrir seus olhos, pregar a reconciliação e expulsar os demônios que os cegam. Aos que estão na rua por não terem outra opção, ajudamos com o que podemos, seja direcionando para algum abrigo conhecido (aliás, o que conhecíamos e sempre indicávamos fechou e já não temos mais para onde indicar essas vidas, pois o nosso Centro de Recuperação ainda não está pronto e ainda falta muito para isso), centros de recuperação e uma palavra de esperança.

Agora, neste mês de setembro de 2010, tivemos um caso de uma menina que seguiu um dos nossos irmãos implorando para a levarmos ao Centro de Recuperação que ela estava, mas fugiu para se drogar, porque queria realmente ser liberta, porém não resistiu, e o caso do Luiz, que só tem a mãe de família, porém esta mora de favor na casa da patroa, e queria indicação de algum abrigo para morar enquanto não conseguisse um emprego. A jovem foi levada para onde ela pediu, através de um irmão nosso que tem carro, porém como foi terrível não poder ajudar o Luiz...
Alem desses dois casos, abordei um cara que estava com a filha e disse não acreditar em Deus, só em Jesus e queria brigar simplesmente por oferecermos, além da quentinha, um folheto e oração. A questão é: eles não estavam na rua por causa de Deus, mas por não seguir a Deus. Segundo ele, foi parar ali por causa do espiritismo. E não é a primeira vez que encontramos caso como este.
Já um viciado afastado da Igreja Universal me agradeceu por orar por ele e ficou feliz em ver nosso trabalho, pois provavelmente já fez isso e disse que ninguém ora por ele. Segundo ele, ninguém se importa com ele hoje.
Encontrei também um senhor bem claro com forte sotaque do Sul que ficou muito grato pela comida, oração e roupas sociais que demos. Ele nos informou que já tinha vindo ao Rio uma vez procurar emprego, como não conseguiu voltou para o Sul, mas percebeu que viver nas ruas do Rio é melhor que viver na roça. Já foi para um abrigo, suspeitamos dos motivos, e continua tentando um emprego.
Abordamos um que foi assaltado por outros moradores, perdeu sua mochila, mas estava grato a Deus por não terem levado seus documentos. Ali eles vivem cheios de riscos, com uma sensação falsa de liberdade, esquecidos pela sociedade, desprezados e cheios de rancor por causa de um passado ou presente de dor. O que temos feito, Igreja? 

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