Há alguns anos
atrás, ia com minha antiga congregação uma vez por ano ao Centro do Rio de
Janeiro levar comida e a Palavra de Deus para os moradores de rua que vivem ali.
Contudo, já faz mais de um ano que tenho ido mensalmente com a Igreja Batista
Nova Filadélfia em Vila
Metral e, a cada mês, volto perplexo para casa. Motivo: Cada vez,
volto com uma grande satisfação por ter feito algo, porém com a sensação de
impotência diante de tanta miséria, prisão, mentira, opressão, dor, comodismo
etc.
O dia mais
impactante não foi aquele. Um dia, enquanto abordamos outro grupo de crianças
deitadas em outra rua lá do Centro, um dos meninos nos deu atenção. Um irmão
percebeu que tinha garrafas do lado de cada um e entendeu que eles estavam ali
para cheirar cola. O fato foi que, ao uma irmã oferecer roupas, entregou na mão
desse menino uma calça jeans e, imediatamente ele abraçou a calça e disse: “Escola!”
O irmão perguntou se ele estava com saudades da escola e ele confirmou com a
cabeça. Como aquilo me partiu... Sai imediatamente dali e fui para um canto
chorar...
Ver uma mãe
com o filho doente que foram despejados, sem ter para onde ir ou nem para onde levar
seus móveis, com o risco de perdê-los, é doloroso.
Outra vez, um
homem muito me agradeceu por orar por suas costas que doem terrivelmente e
quando abaixa não consegue se levantar. Disse que só a bebida faz aliviar sua
dor e o hospital público deu meses para ele voltar e fazer exames e, quem sabe
um dia, fazer uma operação, com risco. Segundo ele, saiu do Exército por causa
da bebida e tem um filho que também é do Exército e teme que ele fique como o
pai, pois também gosta de beber.
Lembro-me dos
dois Maicons perto do Edifício Central, um que tinha acabado de sair da prisão,
mas trabalha na rua por não conseguir emprego melhor (este foi assaltado na
segunda vez que o encontrei, no mês seguinte e estava revoltado querendo
encontrar o outro morador de rua e “se vingar”... Deus me fez encontrar com ele
novamente...), e o outro Maicon é um adolescente bem novo que tinha acabado de fugir
de Santa Cruz, sem ter nos relatado maiores detalhes... mas desconfiamos o
porquê...
Uma vez
abordei um mendigo que estava passando mal, pediu duas quentinhas e um bolo,
porém não aguentava ir até o hospital. Senti-me um inútil diante daquela
situação. Ele havia vomitado parte da calçada onde estava...
Loucos,
endemoninhados, doentes, carentes, porém nem todos vagabundos. Muitos catam
latinha, papelão ou vendem algo para juntar algum dinheiro.
Certa vez
presenciamos seguranças públicos levando à força alguns moradores de rua para
abrigos. Eles não gostam de ir para lá porque, segundo eles, esses abrigos são
desestruturados, o Governo junta muitas pessoas dentro de um espaço pequeno,
muitos doentes com tuberculose etc. e abandonam todos lá. Fora alguns que
relataram terem sido abandonados em municípios distantes no meio do mato quando
esses abrigos já estão hiperlotados.
Há muito que
fazer ali...
Enquanto os
políticos estão preocupados em construir a “Cidade do Rock”, embelezar o Rio
para os “Jogos Mundiais”, gastar fortunas com a (re)reforma do Maracanã e,
claro, roubar o dinheiro público, centenas de pessoas perecem miseravelmente
pelas ruas. Enquanto a população gasta seu salário mínimo com roupas de marca,
celular da moda ou excesso de produtos de beleza desnecessários, pessoas do
nosso lado passam fome. Enquanto os que se julgam filhos de Deus contam
testemunhos de que possuem 03, 05, 10 carros na garagem, há os que não podem
nem dormir na rua, porque senão um mendigo vem e rouba o que o outro conseguiu
ganhar.
No começo do
ministério de Isaías, quando o povo de Israel ainda não tinha caído na
idolatria e ainda não estavam cometendo os erros em que caíram depois, Deus já
não estava mais agüentando o culto deles. Por quê? A palavra diz:
“As vossas Festas da Lua Nova e as vossas
solenidades, a minha alma as aborrece; já me são pesadas; estou cansado de as
sofrer. Pelo que, quando estendeis as mãos, escondo de vós os olhos; sim,
quando multiplicais as vossas orações, não as ouço, porque as vossas mãos estão
cheias de sangue. Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de
diante dos meus olhos; cessai de fazer o mal. Aprendei a fazer o bem; atendei à
justiça, repreendei ao opressor; defendei o direito do órfão, pleiteai a causa
das viúvas... Os teus príncipes são rebeldes e companheiros de ladrões; cada um
deles ama o suborno e corre atrás de recompensas. Não defendem o direito do
órfão, e não chega perante eles a causa das viúvas.” Isaías 1:14-17, 23
Religiosidade
teórica e vazia, líderes corruptos e desprezo aos necessitados. Há alguma
diferença desse relato para a maioria da situação que vivemos hoje? As mãos de
milhares de brasileiros estão sujas de sangue pelo simples motivo de pessoas
morrerem a nossa volta e nada fazemos para impedir isso.
Muitos que
vivem na miséria realmente são culpados de estarem nessa situação, pois encontramos
aqueles que têm família e casa para morar, porém se desentenderam com pais,
esposas ou irmãos e estão na rua porque não querem se humilhar e pedir perdão.
Preferem viver na soberba e apodrecerem com milhares de riscos que sofrem por
não terem um teto (por exemplo, encontramos um esposo de espírita que gostava
de ter a liberdade da rua para beber, não viver nas mesmas práticas de sua
esposa e ser submisso a ela). Porém encontramos muitos que perderam sua casa
numa catástrofe como a de enchentes e chuvas devastadoras (algumas vezes já
encontrei famílias inteiras nesta situação), outros que vieram de outros
estados e não conseguiram emprego (uma vez encontrei um que veio para o Rio
trabalhar, mas, chegando aqui, foi assaltado, perdeu os documentos e não sabia
o que fazer), outros que foram abandonados pelos pais desde cedo, outros que
foram despejados por não terem mais como pagar aluguel e vários outros casos.
Nosso papel
como Igreja é alcançar todos estes com o Evangelho e ajuda material, seja
alimento, roupa ou calçado. Aos que estão na rua porque querem estar, nossa
missão é abrir seus olhos, pregar a reconciliação e expulsar os demônios que os
cegam. Aos que estão na rua por não terem outra opção, ajudamos com o que
podemos, seja direcionando para algum abrigo conhecido (aliás, o que
conhecíamos e sempre indicávamos fechou e já não temos mais para onde indicar
essas vidas, pois o nosso Centro de Recuperação ainda não está pronto e ainda
falta muito para isso), centros de recuperação e uma palavra de esperança.
Agora, neste
mês de setembro de 2010, tivemos um caso de uma menina que seguiu um dos nossos
irmãos implorando para a levarmos ao Centro de Recuperação que ela estava, mas
fugiu para se drogar, porque queria realmente ser liberta, porém não resistiu,
e o caso do Luiz, que só tem a mãe de família, porém esta mora de favor na casa
da patroa, e queria indicação de algum abrigo para morar enquanto não
conseguisse um emprego. A jovem foi levada para onde ela pediu, através de um
irmão nosso que tem carro, porém como foi terrível não poder ajudar o Luiz...
Alem desses
dois casos, abordei um cara que estava com a filha e disse não acreditar em
Deus, só em Jesus e queria brigar simplesmente por oferecermos, além da
quentinha, um folheto e oração. A questão é: eles não estavam na rua por causa
de Deus, mas por não seguir a Deus. Segundo ele, foi parar ali por causa do
espiritismo. E não é a primeira vez que encontramos caso como este.
Já um viciado afastado
da Igreja Universal me agradeceu por orar por ele e ficou feliz em ver nosso
trabalho, pois provavelmente já fez isso e disse que ninguém ora por ele.
Segundo ele, ninguém se importa com ele hoje.
Encontrei
também um senhor bem claro com forte sotaque do Sul que ficou muito grato pela
comida, oração e roupas sociais que demos. Ele nos informou que já tinha vindo
ao Rio uma vez procurar emprego, como não conseguiu voltou para o Sul, mas
percebeu que viver nas ruas do Rio é melhor que viver na roça. Já foi para um abrigo,
suspeitamos dos motivos, e continua tentando um emprego.
Abordamos um
que foi assaltado por outros moradores, perdeu sua mochila, mas estava grato a
Deus por não terem levado seus documentos. Ali eles vivem cheios de riscos, com
uma sensação falsa de liberdade, esquecidos pela sociedade, desprezados e
cheios de rancor por causa de um passado ou presente de dor. O que temos feito,
Igreja?
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