Embora o pronome de tratamento
‘você’ (conjugado na terceira pessoa do singular) seja identificado com o
pronome pessoal ‘tu’ (conjugado na segunda pessoa do singular), ainda há um
grau de significância diferenciado entre os dois.
Se eu me volto a uma namorada,
noiva, esposa, amiga, irmã ou alguém com o mesmo grau de responsabilidade e
digo: ‘Tu estás linda!’ ou ‘Você está linda!’, não há diferença de significado.
Porém, ao nos referirmos a Deus, parece
que há uma diferença de significado entre os dois termos. Há muitas canções e
referências a Deus utilizando o pronome pessoal (Tu), porém há uma certa
rejeição por utilizar para Ele o pronome de tratamento (Você). Isso porque o
‘tu’ tende a ser mais formal do que ‘você’, mas nem sempre foi assim.
Tu x Você (Antes)
O pronome ‘vossa mercê’ (de onde
veio o atual pronome ‘você’) era utilizado no elevado tratamento dado aos reis. O ‘tu’ era reservado apenas às classes menos favorecidas ou usados
pelos poderosos quando existisse grande
grau de intimidade, geralmente intimidade familiar, e de superiores para
inferiores (pais para filhos, avós para netos, tios para sobrinhos, patrões
para criados e populares).
À medida que os reis portugueses foram sucessivamente
reservando para si os chamamentos superiores de ‘Vossa Majestade’, o restante
da nobreza chamado de ‘Vossa Senhoria’,
e os ministros de Estado de ‘Vossa Excelência’, o tratamento de ‘Vossa Mercê’ foi diminuindo de status. Com
o correr dos séculos foi se transformando, passando por sucessiva contração de ‘Vossa misericórdia senhor’, ‘vossa mercê’, ‘vossemecê’, ‘vomecê’, ‘vosmicê’ e ‘vancê’, até chegar ao atual ‘você’ e se assemelhou ao ‘tu’.
Na verdade, o tempo fez com que a
importância dos dois termos se revertesse. O pronome ‘você’ é considerado como
uma forma de insulto ou de desvalorização em certas regiões de Portugal. Independente
disso, não temos por costume utilizar o ‘tu’ ou ‘você’ para nos referirmos a
pessoas mais velhas, à estranhos ou à autoridades. Preferimos nessas situações,
utilizar o pronome ‘senhor’.
Assim como ‘você’, o termo ‘senhor’
é um pronome de tratamento. Senhor deriva de um vocábulo do latim ‘sênior’ que
significa ‘idoso’ ou ‘mais velho’, pretensamente ‘aquele que teria mais
sabedoria’. ‘Senhor’ é um pronome de tratamento utilizado para traduzir o grego
Kyrios e o hebraico Adonay.
É certo que, em algumas passagens
bíblicas, a palavra ‘senhor’ está substituindo o nome impronunciável de Deus
(YHWH), mas em outras vezes é a tradução de ‘Adonay’ ou ‘Kyrios’. Aí entra a
questão: ‘Adonay’ é um título, ou melhor, um pronome de tratamento, ou um nome
de Deus como ‘El’, ‘Elohim’, ‘YHWH’ etc.?
Tu x Você para Deus
Tratar Deus pelo pronome ‘você’ é
ofensivo? Mas, quem assim considera, canta os clássicos ‘Tu és Soberano’
(Ministério Koinonya de Louvor) ou ‘Tu és Fiel, Senhor’ (hino 535 da Harpa
Cristã)?
Tratar Deus pelos pronomes ‘tu’
ou ‘você’, equivale no mesmo, embora o ‘você’ pareça mais pesado. Isso talvez aconteça
porque, por exemplo, aqui no Rio de Janeiro, não temos o hábito de utilizar tanto
o pronome ‘tu’. Mas, é só uma questão de tempo mesmo. Caso o ‘tu’ desapareça do
nosso vocabulário, o ‘você’ pode prevalecer ao nos referirmos a Deus. E isso
não é uma tendência apenas do ‘tu’. Veja:
Eu falo.
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Eu falo.
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1° pessoa do singular
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Tu falas.
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Você fala.
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3° pessoa do singular
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Ele fala.
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Ele fala.
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Nós falamos.
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A gente fala.
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Vós falais.
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Vocês falam.
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3° pessoa do plural
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Eles falam.
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Eles falam.
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Percebem que o ‘tu’, ‘nós’ e ‘vós’,
principalmente o primeiro e o segundo, podem desaparecer da nossa língua? Pode
ser que sim, pode ser que não... Com o tempo, as influências de outras línguas e
a mudança de cultura/costumes, as palavras vão recebendo novo significado. E
acredito que não seja uma questão de falta de temor por Deus, mas a
substituição do ‘tu’ por ‘você’, ao se referir a Deus, é uma questão de mudança
de entendimento do significado da palavra.
Se for para abolir o ‘você’, que
seja abolido também o ‘tu’, e, com isso, uma grande parte dos nossos cânticos,
por exemplo, será excluído junto. Além disso, a tradução das nossas Bíblias
teria que ser reformulada. Por exemplo:
“Tu és o meu Deus, e eu te
louvarei; Tu és o meu Deus, e eu te exaltarei.” Salmos 118:28
(Aqui é usado o hebraico ATÁH [אתה] = ‘tu’)
Ficaria, por exemplo, assim:
“Vossa Onipotência é o meu Deus, e eu vos louvarei; Vossa Onipotência
é o meu Deus, e eu vos exaltarei.”
Salmos 118:28
Quero deixar claro que não estou
considerando que ‘tu’ e ‘você’ sejam iguais. ‘Tu’ é um pronome pessoal. ‘Você’
é um pronome de tratamento. Gramaticalmente, são diferentes. E também diferem
em seu sentido. Porém, as duas palavras têm o mesmo papel num diálogo.
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